O apartamento térreo que aluguei em Lisboa tem uma janela que dá direto para a rua. Quando cheguei, a proprietária me alertou sobre a proximidade com a qual os passantes se deparariam com a minha privacidade, e deu dicas de como eu podia evitar olhares de estranhos para dentro de casa.
Mas, por aqui, o clima ainda está bom, e eu teimo em deixar a janela e a cortina abertas a maior parte do tempo.
Na primeira noite, houve uma discussão entre vizinhos e eu escutei tudo como se fosse parte dela, do momento em que surgiram os primeiros gritos até a hora em que um rapaz que não falava português subia e descia a rua em um ritmo frenético, falando ao telefone.
Depois, ouvi o senhorzinho do andar de cima comentar sobre o tema: “Se fosse no meu tempo, isso não teria acontecido”, disse ele, enfático, a uma menina de quem eu só conheço a voz.
Outro dia, um homem que passava pela rua espiou aqui dentro e me viu sentada na sala. Guiado pela premissa de que uma mulher sozinha é uma mulher disponível, ele se sentiu no direito de me importunar dentro da minha própria casa e começou puxando papo. Irritada, soltei uma resposta mal educada e fechei a janela.
As ruas estreitas e amontoadas da parte velha de Lisboa são a síntese de algo que há muito me fascina nas cidades, em especial as europeias: a intimidade que, sem querer, compartilhamos com completos desconhecidos.
Quando estava em Belgrado, observei por algumas semanas uma família se reunia na varanda todas as tardes para aproveitar os últimos dias de verão. Me acostumei tanto com sua rotina que esperava pelo momento em que o sol batia no apartamento, e percebi quando o tempo virou e eles deixaram de sair.
Outra vez, em Barcelona, uma senhora gritou comigo de sua janela porque conseguia ouvir a videochamada que eu fazia de dentro do meu quarto. Também ali, uma amiga me contou que não conseguia dormir porque escutava, como se estivesse no mesmo quarto, toda a intensa atividade sexual do vizinho de parede.
As construções antigas e as ruas labirínticas das cidades do velho continente levam os vizinhos pra dentro de casa sem contribuir para a criação de um senso de comunidade. Janelas próximas e paredes de papel se transformam em uma tela pela qual estranhos assistem à nossas vidas na mesma medida em que assistimos às suas. E, assim, acumulamos inúmeras informações sobre pessoas com as quais nunca vamos falar.
Em Medianeras, filme argentino de 2011, dois vizinhos solitários se cruzam inúmeras vezes e compartilham os mesmo espaços, mas não fazem ideia da existência um do outro.
A cidade que os coloca juntos é a mesma que os separa
Diz o cartaz de divulgação.
Na trama, a metrópole é retratada como um espaço de desconexão humana, um aglomerado de pessoas solitárias que vivem próximas demais. No entanto, embora ambos os protagonistas anseiem por encontros significativos no meio daquele mar de gente, se fecham em seus espaços privados, dando pouca chance para que esses encontros aconteçam.
Mas se no espaço privado somos invadidos e, ao mesmo tempo, invisibilizados, é nos espaços públicos que podemos escolher nos mostrar e ser notados. É nas praças, parques, ruas, cafés e estações de metrô que as conexões acontecem.
Não à toa, nas cidades europeias o verão é o ápice da vida urbana. É nessa época em que as pessoas mais ocupam, se relacionam e se apropriam dos locais e, não por coincidência, também é quando as cidades mais vibram.
Uma vez que o tecido que forma as cidades são as pessoas, é nas conexões entre elas que ela vive. Uma cidade que esconde e sufoca as individualidades em meio ao caos urbano não passa de uma cidade-fantasma.
Afinal, a única forma de estar na cidade é viver a cidade.
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