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Crônicas

Comida equatoriana: intestino, sangue e outros miúdos

Entre as barracas do Parque Navarro, em Quito, a fumaça da fritura espalha um cheiro peculiar. Na grelha, pedaços generosos de tripa mishqui temperada com ají e outras especiarias locais ganham a consistência crocante que encanta os equatorianos. Feita dos intestinos grosso e delgado do boi, a tripa mishqui é apenas um dos miúdos vendidos diariamente ali e que deram à praça o apelido carinhoso de El Parque de las Tripas.

Ao passar por uma das barracas, um vendedor me vê com a câmera e puxa conversa. Ele me oferece um grande e gordo pedaço de intestino frito. Eu reluto. A mão dele estendida em minha direção e o sorriso fizeram com que eu sentisse que tinha que aceitar. E também, claro, o fato de que eu queria escrever sobre aquilo. “Eu devo amar muito meu trabalho”, pensei, enquanto lutava com a textura borrachenta. O sabor não é dos piores, o problema está sempre nas texturas.

Parque de las Tripas, Equador

Órgãos que têm grande potencial para revirar alguns estômagos brasileiros são parte da gastronomia equatoriana há séculos, costume compartilhado com outros países andinos.

O Chico que me ofereceu intestino

E não é só no Parque das Tripas que eles encontram seu lugar. Rins, pulmões, fígado e até mesmo sangue são servidos diariamente em mercados, feiras de rua e casas do país, em forma de petisco ou como ingredientes de pratos com alto valor nutricional, como o yahuarlocro, que literalmente significa guisado de sangue, pra quem lhe apetece uma sopinha de hemoglobina de cordeiro com todo tipo de miúdo, tudo cozinhado a fogo lento.

Hoje em dia vendido em grande parte dos mercados públicos, o sangue, ingrediente que torna o yahuarlocro um caldo nutritivo e, garantem os equatorianos, saboroso, vinha das llamas. Com a chegada dos espanhóis e a introdução de animais não nativos no continente, tanto sangue quanto as entranhas foram substituídos pelas partes internas da vaca, frango, ovelha e outros bichos. Embora o hábito de comer as vísceras estivesse presente nas culturas dali desde muito antes, foi reforçado com a colonização, já que as partes consideradas nobres eram consumidas apenas pela elite, que deixava os miúdos para os indígenas e africanos escravizados.

Senhorinha preparando miúdos no Parque das Tripas

Em Otavalo, cidade andina com forte tradição indígena, o caldo de menudo, também conhecido como 31, é parte obrigatória dos banquetes de Semana Santa. Servido ao lado da protagonista fanesca, uma sopa com ingredientes menos inusitados, o caldo é de vísceras de boi cozidas por quase duas horas e, embora o consumo de carne vermelha também seja desaconselhado aos fiéis por aquelas terras, o 31 parece ser a exceção. De acordo com o jornal equatoriano El Comércio, o consumo de menudo na Picantería Amaguaña, restaurante famoso pela preparação da sopa na cidade, sobe de 45 quilos diários para 136 na Sexta-feira Santa.

E se a gastronomia equatoriana é tão mestiça quanto sua cultura e povo, as influências diversas se fazem ver à mesa. A chanfaína poderia ser comparada à paella dos colonizadores espanhóis, mas, no país das montanhas andinas, os frutos do mar foram substituídos por fígado, intestino e língua de porco com batata.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade digital. Atuo como Publisher Independente desde 2010 e sou especialista em Escrita Criativa, Estratégia de Conteúdo Digital e Jornalismo de Viagem. Sou co-criadora do renomado blog de viagens 360meridianos, LinkedIn Top Voice 2024, e autora da newsletter Migraciones. Nas redes sociais, atendo sempre pela arroba @natybecattini.

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