O quarto em que eu morei nos últimos oito meses na capital paulista nem parece mais meu. A cômoda está vazia e a estante sustenta alguns poucos livros que sobraram da última remessa. A maior parte das minhas coisas já voltou para Belo Horizonte. O que sobrou está dentro de uma caixa de papelão. Uma quantidade razoável das minhas roupas está dentro de uma mochila cargueira de 60 litros, comprada recentemente para substituir uma antiga guerreira que deu seu último suspiro algumas viagens atrás.
Estou deixando São Paulo para passar 50 dias mochilando pela Europa. Isso mesmo, eu abri mão da minha casa por causa de uma viagem de um mês e meio. Quando eu menciono isso para as pessoas, a primeira coisa que elas perguntam é “mas e depois?”. Depois, meu amigos, eu sinceramente não sei.
Pela quinta vez em menos de quatro anos, eu estou de mudança. Nesse meio tempo, já chamei de casa BH, minha cidade natal, Cape Town, na África do Sul, Chandigarh, na Índia e São Paulo, sem falar nos inúmeros hotéis que, após oferecerem uma cama quentinha e internet wi-fi, receberam o título carinhoso de “lar”, ainda que por apenas alguns dias. No entanto, foi só por volta de janeiro que eu tomei uma decisão que norteou todas as minhas ações durante o ano: eu quero adotar esse estilo de vida pra valer.
São Paulo, minha casa mais recente
Não se preocupe: não vou viver de vender colar de semente e brinco de pena. O que eu quero é encontrar formas de continuar exercendo o meu trabalho, o jornalismo, sem precisar estar fisicamente presente numa redação ou agência. Uma coisa que sempre me incomodou é como a tecnologia evoluiu a ponto de nos fazer presentes mesmo que a gente esteja a quilômetros de distância, mas nós ainda estamos presos a um modelo de trabalho da época em que a internet era só fruto da imaginação de escritores de ficção científica.
A verdade é que qualquer trabalho de escritório pode ser resolvido de um computador em qualquer lugar do mundo, mas as empresas ainda relutam em deixar que seus funcionários saiam de debaixo de suas asas. Eu acredito que essa mudança virá mais cedo ou mais tarde, já que o modelo atual tem mostrado sinais de colapso nas grandes cidades, com os engarrafamentos quilométricos em horário de pico, a inserção da mulher no mercado de trabalho e o encarecimento da mão de obra (não é mais qualquer família de classe média que pode pagar uma babá para tomar conta dos filhos enquanto os pais trabalham. Ainda bem, isso é sinal de diminuição da desigualdade social).
Isso sem falar nos altos custos em manter um escritório – ou um prédio inteiro – em uma cidade como São Paulo ou Rio de Janeiro. Eu realmente acredito que, no futuro, a maior parte de nós vai desfrutar de uma rotina de trabalho mais flexível. O problema é que, como em qualquer instituição hierárquica, as transformações são lentas, devagar-quase-parando, e eu queria isso agora.
Restaurante que usei como escritório por algumas horas, em Lyon
Quando eu saí do meu antigo emprego, em abril, tomei a decisão de não procurar outro. Comecei a fazer trabalho freelancer, a maior parte das vezes trabalho remoto. Quando fui à Europa em junho, fiz o meu primeiro teste: passeava durante o dia, trabalhava durante a noite (quando, devido à conveniência do fuso-horário, ainda era horário comercial no Brasil). Montei meu roteiro já com isso em mente.
Em Lisboa, fiquei mais tempo na cidade com o objetivo de tirar alguns dias para trabalhar. Encontrei um café simpático, dentro de um parque, e por lá montei meu escritório por volta das nove da manhã. Depois do almoço, encontrei a sombra de uma árvore para ler um livro. Depois, voltei para o café e trabalhei mais um pouco.
Alto índice de produtividade com zero de estresse, gastando praticamente a mesma coisa que eu gastaria se eu estivesse presa por um trabalho convencional em São Paulo (isso porque eu fui para a Europa, mas a maioria absoluta dos países do mundo é mais barata que o Brasil – pense em como você pode ser rico e se beneficiar do câmbio ganhando em reais e vivendo em países do Sudeste Asiático. Eu já pensei!).
Pode ser que você escolhesse ficar exatamente onde você está agora, o que é ótimo. Pular de casa em casa, de cidade em cidade foi uma decisão que eu tomei. Nem todo mundo tem essa tendência cigana. Meu objetivo com este post não é te converter para um estilo de vida parecido com o que eu escolhi para mim, porque eu sei bem que nem todo mundo quer as mesmas coisas da vida e as pessoas têm outros contextos, outras necessidades, outras formas de encontrar a felicidade.
O que eu proponho aqui é uma reflexão. Precisamos mesmo nos prender a esse modelo de trabalho? Como seria a sua vida se você pudesse trabalhar de casa – seja sua casa própria ou um albergue na Indonésia? Você passaria mais tempo com os seus filhos? Viajaria mais vezes por ano? Faria aquele curso de idioma? Ou talvez de dança ou culinária? O que você faria com o tempo que gasta no caminho para o escritório, todos os dias? Se tivesse mais controle de como você gasta suas 24 horas?
É claro que a minha decisão dependeu de um milhão de outros fatores, a começar de uma outra decisão que fiz há quase oito anos (isso tudo, já?!), quando preenchi a ficha de inscrição para o vestibular. Não são todas as profissões que permitem trabalho remoto. Um médico, por exemplo, dificilmente vai conseguir atender pacientes à distância, mas eu acredito que a flexibilização é sempre possível, em maior ou menor grau.
Você com certeza já ouviu aquele ditado que diz que tempo é dinheiro. Eu acho que, nos dias de hoje, tempo é muito, muito mais valioso que dinheiro. Tempo é liberdade.
Por mais que você esteja me achando maluca, eu não sou a primeira a tomar essa decisão de viver livre, leve, solta e sem teto definitivo. Já faz um tempo eu leio blogs e relatos de gente assim, e acabei, de certa forma, sendo inspirada por eles. Quase todos são gringos, é verdade. A moeda mais forte e as portas que se abrem com um passaporte europeu ou norte-americano acabam tornando mais fácil para eles aderirem a esse estilo de vida, que na língua da rainha recebe o nome de “Digital Nomads”.
Esse casal inglês que resolveu viajar de forma permanente é um dos meus favoritos. Tem também esses dois americanos que, depois de passar pela Tailândia e outros países do Sudeste Asiático, encontraram no México um lugar para chamar de lar – pelo menos por enquanto. Eu tenho as minhas ressalvas quanto ao Tim Ferris, mas não dá pra negar que ele foi um pioneiro quando se trata de trabalhar remotamente, e a gente pode aprender algumas coisas com ele.
E, quanto a mim, embarco amanhã rumo a uma nova vida. Desejem-me sorte! 😉
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