Aqui em Cuba amamos as novelas brasileiras, vocês sabiam? Teve uma, El Rey del Ganado, que já vi umas cinco vezes. Me encanta! São muito bonitas as histórias de amor.
Eu moro há algumas quadras daqui, em uma casa que era da minha família, no Vedado. Não sou de Havana, vim do interior jovencita para estudar e por aqui fiquei.
Isso tem mais de 60 anos. Hoje já não me sobrou mais ninguém, um a um todo mundo que eu conhecia morreu. Minha irmã se foi no início da pandemia, e meu marido foi assassinado há alguns anos, quando estávamos em uma missão em Angola. Voltei com o corpo dele no avião, você consegue acreditar no que foi isso? Eu no voo com o caixão ao lado?
Não tivemos filhos. Ele já tinha três quando nos casamos, e eu os criei porque a mãe deles foi embora para a Alemanha. Depois que ele morreu, eles foram viver com ela, e eu fiquei aqui. Só.
Tentei engravidar a vida inteira. Fiz vários exames, todo mês ia bater lá no consultório do médico. Ele me dizia que eu estava ansiosa e isso me atrapalhava, que eu tinha que pensar em coisas bonitas na hora do vamos ver. Eu tentava pensar coisas lindas, mas toda vez era uma decepção terrível. Por anos me culpei. Achei que não era capaz.
Faz pouquíssimo tempo que minha cunhada me chamou e disse: “Antonia, agora eu posso te contar, o Raul fez vasectomia antes de se casar contigo”. E o maldito sempre me dizia que sim, que iríamos ter filhos em breve, pra eu ficar tranquila.
Ele está enterrado naquele cemitério ali. Minha vontade é de ir lá, cavar a tumba dele e bater com um pedaço de pau na caveira dele, aquele hijo de puta. Me engañó! Pra mim foi uma traição da vida inteira. Ele se foi, e agora eu não tenho mais ninguém.
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Além da solidão, tem a falta de tudo. Trabalhei como economista no Ministério a vida inteira, e agora recebo 1500 pesos de pensão. Sabe o que consigo comprar com isso? Meia dúzia de ovos, às vezes um frango. E só.
E o meu olho? Do direito já não vejo mais nada, por causa da catarata. Preciso operar, mas o cristal está em falta. Ouvi dizer que estão trazendo mais num navio, mas sabe Deus quando chega. Enquanto isso, vou levando com o esquerdo, do jeito que dá.
Fidel tinha lá seus problemas, mas ele sempre dava um jeito. Não faltava nada nesse país. Ele falava com um, falava com outro, conseguia acordo, trazia pra cá o que queria. Agora quem tá aí, não move uma pena.
Pra complementar a renda, eu alugo quartos para estudantes, muitos deles estrangeiros. De vez em quando vêm uns brasileiros também, muito amáveis. A casa é grande demais para mim e assim ganho também alguém pra conversar. Pra você ver, outro dia eu cai das escadas e quebrei a perna. Tenho que levar essa muleta para todos os lados. Nunca mais fui a mesma. Dói caminhar pelos cômodos vazios.
Mesmo assim, continuo acordando cedo todos os dias. Pego a vassoura e vou varrer a calçada na frente de casa. As pessoas dizem: estás loca? e eu digo: pues estoy! Fui da geração que lutou pela revolução, não me conformo em ver tanto lixo pelas ruas.
Quando eu era moça, o governo fazia convocação de voluntários pelo rádio. Diziam: “Amanhã faremos um mutirão para limpar as ruas”, e passavam com um caminhão pegando as pessoas. Todo mundo pegava uma vassoura e trabalhava junto. A cidade era uma brinco! Tinha esse dever cívico, sabe? Essa vontade de construir um país. Agora ninguém faz mais nada.
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