A Copa de 2014 foi um ponto de virada na minha relação com o mundial. Eu sempre gostei da festa e acho válida qualquer desculpa para um carnaval fora de época, mas ter visto de perto aquele tanto de gringo tomando as ruas de Belo Horizonte me despertou para o fator cultural envolvido no evento.
Ver os jogos no estádio, aprender as músicas das torcidas e conversar com pessoas de todas as partes me mostrou que dá para viajar sem sair de casa e que o futebol é mais que um esporte: é política, é história, é conexão.
Como grande parte dos brasileiros, cresci cercada por referências do futebol e já tive meus momentos de torcedora fiel, mas torcer pelo Atlético-MG me coloca no grupo de risco para diversas doenças cardíacas e acabei reduzindo o espaço que o Brasilerão ocupa na minha vida.
A cada quatro anos, no entanto, gosto de deixar essa paixão tomar conta. Também como a maior parte dos brasileiros, acompanhar a seleção na Copa é um traço cultural tão importante para mim quanto churrasco, mas há duas edições do evento resolvi dobrar a aposta e simular um pouco da experiência de estar na sede de uma Copa do Mundo.
Em 2018, assisti aos jogos com as torcidas de cada país em bares e restaurantes de Berlim. Esse ano, calhou de estar em outra metrópole cosmopolita e fiz o mesmo.
Essas são algumas das minhas observações nesse pequeno projeto.
O Rincón Quiteño fica em um trajeto conhecido para os fãs de futebol em Londres: uma pequena loja na avenida Holloway, próxima ao estádio do Arsenal, e faz parte do caminho dos torcedores em dia de jogo. Local de encontro da comunidade latina na Copa América, o bar já estava cheio quando eu cheguei, poucos minutos antes do apito de abertura da Copa do Mundo 2022.
Uma amiga já havia me alertado que é prudente reservar a mesa com antecedência se você quer sair para jantar em Londres. “A corrida por um lugar nos restaurantes é um esporte de risco em Londres”, ela disse. Ainda assim, o bar estava tão cheio que o lugar reservado para mim era um cantinho de nada, de onde eu mal conseguia ver a tela.
Início de jogo. O bar inteiro em amarelo, vermelho e azul. As garçonetes só atendiam em espanhol. Pedi ceviche, empanadas e uma fritada – um PF equatoriano -, mas se esqueceram de trazer o último.
A partida não empolgou até que o Equador marca. O bar inteiro grita, menos uma senhora atrás, que mim começa a chorar em silêncio. Eu choro junto. O êxtase mais puro e completo de ver a bola tocar o gol, quem explica? Há algo na emoção do esporte que escapa ao racional.
Fui recebida ao som de um trio de Mariachis no Mezcalito Chelsea. No cardápio, Coronitas e nachos com queso fundido e guacamole. Poucos países são mais autênticos que o México.
As inúmeras olas, o trenzinho humano que percorreu todo o salão no intervalo e os gritos de ¡Viva Mexico! compensaram o jogo chato e sem gols. Mas a Polônia perdeu um pênalti, e como isso tem quase o mesmo valo, recebeu comemoração equivalente.
Quando fui embora, os Mariachis voltaram a tocar. Um rapaz tira uma máscara de lutador mexicano e começa a dançar com uma das garotas no meio do bar. Todos cantavam juntos os clássicos da música mexicana.
Me lembrei o porquê desse ser meu país favorito.
Quase achei que estava no lugar errado, mas era choque cultural: depois de ver dois jogos com as torcidas latinas, chegar à cervejaria belga Lowlander Grand Cafe e me deparar com a ausência completa de bandeiras, camisas ou mesmo trilha sonora quase me fez ir embora. Será que eles ao menos passariam o jogo?
Mas a despeito das pessoas que estavam ali apenas para jantar e beber Delirium, as quatro TVs do salão foram ligadas pontualmente às 20h. Todos acompanhavam o jogo chato, mas uma única mesa vibrava com os lances mais perigosos. O cara mais animado ali falava espanhol. Coincidência?
Como planejamento não é brazilian culture, o bar brasileiro no coração de Camden Town não aceitava reservas e, por isso, acabei chegando cedo, ainda na metade do jogo anterior, Portugal e Gana.
Paguei a caipirinha mais cara da minha vida (pois Libras) e tentei achar um bom lugar, mas o dono foi logo me avisando: “nós vamos tirar todas as mesas, todo mundo fica em pé, senta no chão, o importante é caber a galera”. Quase me senti em um boteco na Savassi.
Mas a verdade é que se eu ainda não estava preparada para o verde-amarelo, isso morreu ali. Ver todo mundo torcendo junto mexe com a gente, e descobrir que temos um Richarlison destruiu o ranço que eu estava da seleção.
Assim que o jogo acabou, um DJ antenado com os prováveis sucessos do carnaval 2023 assumiu o comando do bar. Dancei até faltar poucos minutos pro metrô fechar.
A única pessoa com a bandeira sérvia no local foi embora da mesma forma que chegou: em silêncio.
Como qualquer pub em Londres é essencialmente um pub inglês, achei que seria mais fácil encontrar um lugar, mas acabei batendo perna pra cima e para baixo no Soho, dando com a cara na porta de bares completamente lotados.
Achei uma pontinha num balcão do The Crown, mas só deu certo porque o gerente foi legal de me deixar ficar por ali, porque eu estava atrapalhando a saída da cerveja e mal conseguia ver as TVs. O local foi uma escolha ruim porque ninguém parecia prestar muita atenção na partida. Se eu tivesse me planejado melhor, teria ido no O’Neils, meu pub irlandês favorito. Acho engraçado o conceito de bar de esportes. No O’Neils sempre tem sempre algum tipo de competição passando nas TVs, seja a segunda divisão da liga de rugby ou uma disputa de dardos. Algum dia vou perguntar para um inglês porque essa mania de ver dardos na TV, um esporte sem qualquer apelo televisivo.
De volta ao The Crown, duas meninas com a camisa dos Estados Unidos assistiam ao jogo com um grupo de ingleses. Quando fui ao banheiro no intervalo, uma delas escutava o hino americano enquanto fazia xixi.
Eu nem sabia que o Marrocos estava em campo quando saí de casa, em busca de um restaurante indiano para celebrar meu último dia em Londres. Não consegui acompanhar o jogo porque, vocês sabem, eu também preciso trabalhar de vez em quando.
Mas quando eu saí da estação de metrô, o Picadilly Circus estava todinho tomado de vermelho e verde e outras bandeiras da África e do mundo Árabe. Um buzinaço sem precedentes acabava com a ordem inglesa até o ponto em que outros desavisados paravam para perguntar o que era aquele auê todo.
Marrocos nas oitavas.
Acho que um dos motivos pelos quais o futebol é tão apaixonante é que esse é o esporte que deixa mais espaço para que a narrativa do underdog emerja de tempos em tempos. É inevitável vibrar quando uma zebra desbanca um favorito e, ainda que toda copa tenha suas zebras, a gente se apaixona por elas outra e outra vez.
Fiquei pouco tempo ali entre eles, mas fui embora com o coração quentinho, sonhando que essa alegria pudesse resistir a muitas outras fases.
Até a semi-final, quem sabe?
O grupo do Brasil foi quase o mesmo do da última Copa e isso acarretou algumas coincidências. O parágrafo que escrevi sobre os jogos da fase de grupos em 2018 poderia muito bem ter sido escrito hoje:
Lembrei-me do jogo da Suíça, em que jogadores que tiveram famílias afetadas pela guerra do Kosovo fizeram o símbolo da bandeira da Albânia, que apoia a independência do país contra a Sérvia. Copa do Mundo não é futebol. Copa do Mundo é política internacional, é intercâmbio, e é, em muitos casos, resistência. E é o que está para além das quatro linhas que faz dela um evento tão apaixonante.
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