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Crônicas

Monarquia na Tailândia: os incertos rumos após a morte do rei

A Tailândia está de luto. Um luto prolongado que começou há quase um ano. No dia 14 de outubro de 2016, morreu o rei Bhumibol Adulyadej, aos 88 anos, deixando para trás um legado que envolve centenas de projetos sociais e súditos devotos, que sentiram profundamente a partida do monarca.

Nas ruas, cartazes imensos com fotos do rei estão por todas as partes, sempre adornados por metros e metros de tecido preto. Nos hotéis e estabelecimentos de todos os tipos, fitas negras são distribuídas para que os turistas se juntem ao luto, e tailandeses de todas as regiões do país visitam o Grande Palácio de Bangkok para prestar respeito ao corpo do rei. No fatídico dia de outubro, quase mil pessoas se reuniram do lado de fora do hospital onde Adulyadej estava internado para chorar o fim de um reinado de 70 anos, o mais longo do mundo na época de sua morte.
Imagem de homenagem prestada em Bangkok ao Rei Rama X, durante as solenidades de seu funeral

Na Tailândia, é crime difamar ou ridicularizar a imagem do rei e da família real e a pena pode chegar a 15 anos de prisão. Uma regra que sem dúvidas preocupa mais os turistas que a maior parte da população, que trata Bhumibol Adulyadej com a mesma devoção e amor de uma santidade. Tamanho respeito se deve em parte à cultura local, que dá grande valor para a hierarquia e coloca os reis em posição de semi-deuses; e à história do país, que sempre se desenrolou tendo a monarquia como elemento central. Mas a popularidade do Rama IX – título real de Adulyadej –  era algo sem precedentes, a ponto de ser considerado o rei mais amado entre todos que formam o panteão de monarcas tailandeses. E saber disso é fundamental para entender o processo pelo qual o país passa desde seu falecimento.

O trono ainda está vago. Até que termine o luto oficial de um ano, em outubro, a Tailândia permanecerá no limbo político no qual foi jogada e que aprofundou ainda mais a instabilidade que assola o país há oito décadas, desde a revolução que tirou os poderes absolutistas das mãos da monarquia. No período, o reino já passou por 19 golpes de estado e teve 19 constituição diferentes, seguidas por uma sucessão de primeiros ministros civis e militares. A monarquia, no entanto, sempre esteve acima desses conflitos.

Grande Palácio de Bangkok adornado de faixas pretas, em sinal de luto oficial no país

O Rama IX, apesar de constitucionalmente não exercer funções políticas, interviu no governo do país sempre que o cenário pedia e era figura central para manter a unidade de uma nação com profundas desigualdades entre as áreas rurais e urbanas. Ajudou a promover a democracia nos anos 1990 da mesma forma que incentivou governos totalitários antes disso, abafou e deu gás a vários desses golpes, de acordo com sua vontade.

Poucos anos antes de sua morte, uma nova turbulência política balançou o país, com o golpe que colocou outra vez os militares no poder e que levou a uma divisão política extrema entre os apoiadores do novo regime e os que estavam ao lado do governo antigo. Nesse contexto, a figura de Adulyadej foi um fundamental fator de equilíbrio e, embora não faltem teorias que afirmam que ele estava por trás do ocorrido, não dá para negar que sua figura trabalhava como uma âncora que ajudava a manter o país no lugar apesar das instabilidades.

E foi essa âncora que a Tailândia perdeu. O sucessor ao trono é Maha Vajiralongkorn, único filho homem de Adulyadej, que deve assumir o lugar do pai no próximo ano, sem nem de longe conquistar a mesma simpatia de seus súditos. A antipatia por ele cresceu na década de 1970, quando foi nomeado príncipe herdeiro no lugar da irmã, Maha Chakri Sirindhorn, que apesar de ter melhor reputação e competência para o trono, é impedida de governar pelas leis do país.

Com fama de mulherengo, irresponsável, excêntrico e gastador, possui forte rejeição entre a população local e coleciona histórias absurdas para contar, como a de quando nomeou o poodle Foo Foo major-general da Força Aérea Tailandesa. Quando o cachorro morreu, em 2015, o futuro Rama X organizou um funeral repleto de ritos budistas que durou quatro dias. O mesmo poodle apareceu comendo um bolo de aniversário em um polêmico vídeo no qual o futuro rei aparece com sua companheira semi-nua, o que horrorizou a conservadora opinião pública tailandesa.

Enquanto a coroa não passa definitivamente para Vajiralongkorn, ele e a junta militar preparam o terreno para seu reinado. Foi deles o pedido para adiar a posse, sob o argumento de que nada se podia fazer em um país que passava por tão profunda dor. Segundo David Streckfuss, historiador especializado na Tailândia, disse para o Globo, tanta demora já é sinal de uma transição atípica. Resta saber se as duras leis lesa-majestade, que se encontram entre as mais rígidas do mundo e são o único escudo que protege Maha Vajiralongkorn da antipatia de seu povo, serão suficientes para sustentar o equilíbrio frente as adversidades políticas sem mergulhar o país no caos.

Disclaimer: Esse texto foi originalmente publicado no 360meridianos em agosto de 2017 e foi produzido em uma viagem à convite de Embaixada da Tailândia no Brasil 

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade digital. Atuo como Publisher Independente desde 2010 e sou especialista em Escrita Criativa, Estratégia de Conteúdo Digital e Jornalismo de Viagem. Sou co-criadora do renomado blog de viagens 360meridianos, LinkedIn Top Voice 2024, e autora da newsletter Migraciones. Nas redes sociais, atendo sempre pela arroba @natybecattini.

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