O primeiro aniversário que me lembro bem foi aquele em que completei sete anos. Na minha casa, tínhamos um acordo com meus pais de que, ou escolhíamos um bom presente, ou uma festa com direito a decoração temática DIY que minha mãe fazia com isopor e papel colorido enquanto assistia novela depois do trabalho.
Naquele ano, eu havia aprendido a ler e estava apaixonada pela possibilidade de formar palavras. Tão apaixonada que desisti da festa para perseguir esse desejo. Acho que foi a primeira vez que eu ganhei um livro de presente.
A partir daquela data até meu aniversário seguinte, passei a receber por correio um volume de capa dura todos os meses. Eram livros com umas 60 ou 70 páginas, cheios de ilustrações coloridas, cada um com dois contos de fadas diferentes.
Os volumes vinham acompanhados com uma fita cassete com a narração das histórias, que eu escutava no Meu Primeiro Gradiente, presente de natais passados, e eram colocados em uma caixa de papelão que havia chegado com a primeira edição.
Esses livros me acompanharam por toda a minha infância e, mais tarde, foram passados para meus primos gen Z. Ainda hoje, as fitas cassetes estão acumulando poeira no fundo de uma gaveta na minha casa em BH. Duvido que funcionem e, ainda que funcionassem, não tenho mais qualquer aparelho capaz de reproduzi-las. Ainda assim, não consegui me desfazer delas.
Quando completei 12 anos, ganhei de uma tia o primeiro Harry Potter e essa foi a coleção de livros que eu esperei completar durante toda a adolescência. Mais tarde, um namoradinho do colégio me presenteou com o primeiro Brumas de Avalon e estragou toda a experiência ao escrever “anssioso” com dois s, na dedicatória. Terminei com ele pouco tempo depois, mas completei a série mesmo assim.
Há um certo romantismo em pensar em uma história e lembrar de alguém, em tentar adivinhar se aquele ordenamento de palavras vai tocar aquela pessoa como tocaram a ti.
Livros foram, por muito tempo, meu presente favorito.
Em Barcelona, é tradição dar livros no dia de São Jorge. Todo 23 de abril, as ruas e praças da cidade viram sebos abertos e as sacadas das casas se enchem de flores para homenagear o padroeiro da cidade. A data é considerada um ‘dia dos namorados’ catalão, mas não é preciso manter qualquer relação romântica com os presenteados. Basta ter afeto.
Originalmente, homens deveriam presentear as mulheres com rosas vermelhas, e mulheres presenteavam homens com livros, numa versão mais culta mas igualmente injusta do ‘meninas levam salgado e meninos levam refri’. Mas Barna é progressista, e a tradição machista, antiquada e heteronormativa pouco conta hoje em dia: os livros são para todes.
Esses dias me lembrei do único dia de São Jorge que passei na cidade e fiquei pensando nisso, nesse ato de escolher e dar livros para alguém e em como nessa história tem muito mais que o fetiche do livro na estante, das edições de luxo em capa dura. Quando regalamos um livro, o que damos de presente é na verdade uma história, uma mensagem, um significado.
Desde que comecei a viajar em tempo integral, comprar livros é um problema. São grandes, pesados, volumosos. Não cabem na minha mala e, quando somados à pequena biblioteca que acumulei durante a vida, mal cabem também na kitnet que mantenho em BH.
Há muito tempo, só compro livros em formato e-book. Não tenho mais qualquer apego em precisar sentir a textura das páginas e o cheiro do livro, acho uma romantização meio clichê e bem piegas, mas ninguém, nem mesmo eu, quer presentear alguém com um arquivo digital.
Uma vez chegou no meu e-mail um presente inesperado em formato pdf e foi uma das melhores leituras que tive aquele ano, mas há valor no ato de entregar um pacote bonito, ver a pessoa desembrulhar o papel de presente e tocar a capa com as mãos.
Eu não sou das pessoas mais nostálgicas e, em geral, me entusiasmo com tecnologia. Mas fico pensando se ao transformar tudo em bytes a gente não perde um pouquinho da fascinação pelo objeto. Meio aquela coisa da perda da aura na era da reprodutibilidade técnica que a gente via nas aulas de Teoria da Comunicação.
Mas os livros têm algo de sagrado e ritualístico que é impossível de repetir na tela do Kindle. Exatamente aquela sensação de reverência que a gente quer quando vai presentear alguém: a dedicatória escrita à mão na contra-capa, as notas deixados no canto. Os grifos que chamaram a atenção de quem leu aquilo ali antes de você.
Pode ser por tudo isso que eu acho que a tradição catalã a mais romântica das tradições de dia dos namorados que já vi por aí. Há algo de muito humano e ao mesmo tempo mágico em ver as ruas cheias de bancas de livros e rosas.
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