— Ok, em teoria, estamos caminhando no sentido certo. Você não vê de que lado está o rio?
Eu disse outra vez, mais para mim mesma que para ele. Jeff me olhou descrente, mas se limitou a acenar com a cabeça, cansado.
A trilha havia começado há umas três horas e meia. Partimos do último estacionamento antes que a estrada se transformasse em um caminho de barro escorregadio e atravessamos uma passarela de madeira, construída para evitar que os turistas sujassem o pé na lama pisoteada por cavalos que levavam outros turistas. Saímos do outro lado, passamos em frente a barraquinhas de comida e restaurantes locais até o poço de uma pequena queda d’agua onde algumas senhorinhas molhavam os pés.
Eu fiz a menção de tirar o tênis para cruzar o rio, mas uma delas acenou para mim e me disse em espanhol: “por allá, mi niña”, apontando para a entrada de uma trilha que tinha passado despercebida por mim.
Mais adiante, cruzamos uma ponte de madeira, andamos alguns metros, alcançamos outra ponte de madeira que nos levava de volta ao lado do rio de onde havíamos vindo, mas um um ponto mais avançado do trajeto, onde turistas já eram coisa rara.
Uma imagem de Nossa Senhora havia sido colocada em um pequeno altar no começo de uma subida íngreme. Seria preciso escalaminhar para chegar ao topo, mas não por muitos metros, ao menos.
— Vamos pedir benção à Virrrgem — eu disse, imitando o sotaque paulista do meu namorado antes de me colocar de gatinhas para começar a vencer a subida.
Todo esse esforço tinha um objetivo: avistar o belo Valle del Cocora, onde crescem as Palmas de Cera, a árvore nacional da Colômbia que chega a alcançar uns bons 60 metros. Em algum ponto do trajeto circular de cinco horas que nos propusemos a fazer, deveríamos encontrar um mirante para o vale, de onde veríamos uma profusão delas pontilhando a paisagem já verde de campos e pastos.
Três horas caminhando mato a dentro e montanha acima e, no entanto, nem sinal de palmeira.
Pelos nossos cálculos, deveríamos estar agora pra lá da metade do círculo, caminhando de volta em direção ao estacionamento. Minha bússola interna me dizia que estávamos no sentido certo. Meus instintos, por outro lado, apitavam que alguma coisa estava errada e eu tentava calá-los com argumentos lógicos.
Porque de fato estávamos caminhando no sentido certo. O barulho do rio lá embaixo provava isso. Estávamos subindo mais que o esperado, isso era verdade. O calor úmido do começo da trilha tinha dado lugar a um vento gelado e seco das montanhas, indicando nosso inesperado ganho de elevação. Mas muito-em-breve-talvez-logo-ali-depois-daquela-curva chegaríamos à altitude máxima e então, seria só descer em direção ao local onde havíamos deixado o carro.
Além do mais, onde estava Menino-de-Galochas?
No começo o passeio, fomos ultrapassados por um garoto loiro, com cara de europeu, usando uma camiseta e uma galocha preta de borracha.
Não o vimos passar por nós de volta, então ele tinha que estar na nossa frente. Certo? O raciocínio era confirmado pelas pegadas largas deixadas no chão lamacento. Alguém havia passado por ali há bem pouco tempo, e seguir o rastro humano em um caminho povoado só por bichos andinos era um alento.
Há um viés cognitivo que faz as pessoas acreditarem que devem continuar uma empreitada porque já investiram muito tempo, dinheiro ou outros recursos nele, mesmo que não esteja trazendo os resultados esperados.
Chama-se “Falácia do Custo Afundado”, e é ela que pode levar você a tomar decisões irracionais, como assistir a sexta temporada de uma série que fica progressivamente pior, insistir em um relacionamento falido, colocar mais grana em Bitcoin ou, no meu caso, continuar subindo uma montanha numa trilha feia e embarreada, me agarrando à ínfima esperança de estar no rumo certo porque a perspectiva de voltar pelo caminho de três horas sem ter visto as palmas de cera era frustrante demais.
As fotos que vi nas minhas pesquisas sobre o Valle de Cocora em nada se assemelhavam ao lugar onde eu estava naquele momento. O trajeto deveria se parecer muito mais com um percurso interno de um hotel fazenda que com um episódio de Largados e Pelados. E eu não me lembrava de ter lido nada sobre pegadas de puma pelo caminho.
Eu justificava essa discrepância com o fato de que havíamos escolhido o percurso mais rústico e difícil, que de fato deveria ter alguns trechos de mato. Mas o que víamos ali passava longe de ser apenas “alguns trechos”.
Alguns quilômetros a frente, quando nos aproximávamos das quatro horas de trilha, o caminho envergou para baixo. Descemos uns bons metros quando cruzamos o rio outra vez. “Viu? Já devemos estar perto”, disse, confiante. Encontrei a trilha novamente alguns metros a frente, só para constatar que ela tornava a subir.
Eu brigava com minhas pernas para dar o próximo passo, e com minha cabeça para não pensar o inevitável. Estávamos perdidos. Em algum ponto do trajeto, pegamos o caminho errado e, desde então, só nos afundávamos mais e mais em uma trilha que levava para lugar nenhum no coração dos Andes Colombianos.
Jeff parecia mais cansado que eu.
— Quer parar um pouco? — sugeri. Nos sentamos em um tronco de árvore na beira da trilha. — Se ficar escuro, tenho lanterna, brinquei.
— Não quero nem pensar nessa possiblidade — ele disse.
E, como nenhum de nós queria pensar, fizemos a única coisa que poderíamos fazer: seguimos.
Alguns metros à frente e pra cima, um barulho quebrou o silêncio da mata que nos acompanhava há horas. Logo depois, um par de pernas se torna visível depois de uma curva acentuada da trilha.
— Oh Thanks, God! Humans! — o garoto loiro exclamou. Reconheci o Menino-de-Galocha imediatamente.
— Por favor, não me diga que você está perdido — eu disse, em inglês.
— Oh! Eu estou bastante perdido. E vocês?
— Nós estávamos seguindo suas pegadas, então se você está perdido, nós estamos também.
O garoto riu e pareceu aliviado.
— Eu estou tão feliz de ver vocês!, ele disse, e se sentou na beira do caminho, visivelmente cansado. Por um instante, pensei que ele fosse chorar.
— Eu andei mais uma hora e meia aí pra frente. A trilha praticamente acaba. Não havia mais ponte ou caminho. Não parecia um lugar feito para pessoas, sabe? E havia tantas pegadas de puma! E de ursos! Fiquei apavorado pensando que teria que passar a noite por aqui.
Jeff se encostou no barranco.
— Não acredito que vamos ter que andar tudo de volta.
— Eu não seguiria, se fosse vocês. Se voltarmos agora, chegamos antes do anoitecer. Vocês também vieram pelas palmas? Isso é tão frustrante! Gostaria de saber onde foi que erramos. Me desculpem, eu não tenho forças para conversar mais. Eu só estou muito aliviado de encontrar humanos. Faz horas que não vejo ninguém.
Aos 19 anos, o Menino-de-Galocha se chamava Henry, era alemão e estava em um ano sabático antes de começar a faculdade de Economia. Tinha um passo muito mais rápido que a gente. Avançava metros e mais metros na nossa frente, e parava a cada tanto para nos esperar enquanto fumava um cigarro. O caminho de volta era, na maior parte do tempo, uma descida, de modo que conseguimos avançar em dois terços do tempo. A ideia de caminhar tudo outra vez era, no fim das contas, pior que a volta em si. Reconhecer os marcos pelo caminho trouxe uma estranha sensação de casa.
Quando chegávamos perto da Virgem, os sinais da civilização voltaram a aparecer com mais frequência. Um casal colômbiano subia o trecho de escalaminhada e nos cumprimentou com um Buenas Tardes.
— Hola, buenas tardes! Nos perdimos en el sendero! — estava ansiosa para contar para alguém, falar com alguém, ter de volta todas as maravilhas proporcionadas pelas sociedades humanas.
— Vocês foram para a direita, sempre?
— Não sei, andamos por 5 horas, cruzamos várias pontes… quanto tempo leva essa trilha?
— Até o final? Uns sete dias! E depois das 18h, há risco de encontrar animais selvagens pelo caminho. Só é permitido continuar na trilha com autorização — ele riu, se afastando.
O sol já desaparecia no horizonte quando alcançamos a parte turística da trilha. Oferecemos carona a Menino-de-Galocha para voltar para Salento, cidade-base do circuito das Palmas de Cera. Em uns 15 minutos e junto com os últimos vestígios de luz, entramos no carro. Não havia nem sinal das multidões que encontramos pela manhã. O estacionamento, pago na chegada, estava vazio e nosso Suzuki S-presso alugado era o único em vários quilômetros de estrada de terra.
Jeff deu a partida. O carro engasgou e morreu.
— Deixei o farol ligado quando saímos hoje de manhã.
Pra terminar a séria de desventuras do dia, a bateria arriou.
Eu olhei para Jeff, depois para Henry, e depois para as estrelas que começavam a despontar acima de nós. Uma risada nervosa escapou dos meus lábios. Essa parecia a única reação possível.
— Isso não é o que a gente merecia depois de tudo que passamos hoje — disse Henry.
Eu olhei para o estacionamento vazio e a estrada de terra. Um microônibus estava parado ao fundo. Eu corri e pedi ajuda ao casal colombiano que encontrei dentro do veículo. Por sorte, eles tinham um cabo e toparam fazer um chupeta.
Depois de alguns minutos, o carro deu um ronco e voltou à vida. Entramos no carro e começamos o caminho de volta a Salento. E, no final das contas, não vimos as Palmas de Cera, mas ganhamos mais uma história para contar nas mesas de bar.
SEGURO DE VIAGEM PARA NÔMADES DIGITAIS
Seja lá onde você resolver armar seu escritório dessa vez, é importante fazer isso com segurança.
Além de me perder em trilhas, nesses 12 anos de estrada, eu já:
- Tive intoxicação alimentar no Nepal (achei que era cólera)
- Fui mordida por um cachorro na Costa Rica
- Tive uma (ou três) reações alérgicas por picada de inseto
Por isso, a última coisa que eu quero é estar em um país estrangeiro sem cobertura médica. Já pensou a dor de cabeça?
Eu não saio do Brasil sem ativar minha cobertura do Safety Wing, um seguro médico de viagem criado por nômades para nômades.
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