Há bem pouco tempo, o arquipélago de 365 ilhas localizado a 100 km da Cidade do Panamá era conhecido como San Blás. O nome não apenas cristão, mas mais espanhol que tourada e colonização, foi provavelmente herança de algum conquistador que teve a sorte de ancorar seu barco no paraíso caribenho.
Para os verdadeiros donos dali, no entanto, aquela sempre foi Guna Yala. A Terra dos Kuna. Foi uma vitória, portanto, que em 2010 o governo panamenho também passasse a chamar o lugar pelo que ele é. De papel passado e tudo.
Mais uma vitória, depois de tantas outras obtidas pela resistência Kuna: em 1925, eles protagonizaram uma revolução que lhes devolveu sua língua, cultura e a autonomia sobre as ilhas que sempre foram sua casa. Hoje, têm um congresso próprio, escolas, leis e, mais importante que tudo isso, uma identidade.
Eles têm um nome.
Um nome para recomeçar
Não são poucos os exemplos de lugares que mudaram de nome para recuperar — ou fortalecer — uma identidade.
Em 2018, o pequeno reino da Suazilândia, localizada entre África do Sul e Moçambique, passou a se chamar ESwatini. A mudança foi feita em comemoração aos 50 anos de independência do país, que passou meio século como protetorado britânico, e é, segundo o rei Mswati III, um abandono do passado colonial e um retorno às origens. No siswati, a língua local, ESwatini significa “terra dos suazi”, a etnia predominante no país.
Assim como a Suazilândia, diversos países africanos optaram, em algum momento de suas histórias, por livrar-se do nome colonial. É o caso da Rodésia, que virou Zimbábue, e da Rodésia do Norte, que virou Zâmbia.
Em 1990, a Namíbia deixou de ser chamada de “Sudoeste Africano”. Seis anos antes, Burkina Faso já tinha abolido a denominação colonial “Alto Volta”. O próprio Congo já foi conhecido, desde a independência da Bélgica, em 1885, como Estado Livre do Congo, Congo Belga, Congo Leopoldville, República do Congo e Zaire. Hoje, vigora a alcunha de República Democrática do Congo, que é para não ser confundida com a República do Congo, país com o qual compartilha fronteira.
É comum que países que alcançam a independência ou que passam por mudanças políticas e territoriais drásticas adotem uma nova alcunha para marcar aquele ponto de virada em sua história e retomarem o controle das próprias narrativas.
“É uma questão de afirmar a independência, distanciando-se do colonialismo, lembrando-se da história e tratando de passar uma borracha sobre o passado recente”, diz Steven Gruzd, do South African Institute of International Affairs, em uma reportagem da Gazeta do Povo.
Um nome para construir
Em geral palavras que não dizem muito sozinhas, nomes são carregados de significados quando passam a se confundir com o próprio nomeado.
Por isso mesmo, por falarem tanto da identidade daquilo que nomeiam, são uma ferramenta de imposição cultural, um instrumento nas mãos dos colonizadores para reescrever narrativas, apagar culturas e suprimir identidades. Não à toa que o primeiro passo para desumanizar o outro é privá-lo de seu nome.
Afinal, o que não tem nome não existe.
E seu eu roubo seu nome e escolho outro no lugar, está comigo o poder de te dizer quem você é.
Foi isso que os europeus fizeram na colonização da África e das Américas. Ao rebatizar terras, rios, montanhas e até pessoas com nomes desprovidos de significado para as culturas locais, afirmaram seu domínio.
Um nome para significar
repetir seu nome até
arrancar com a unha
os eczemas das palavras
e desnudar de sentido as sílabas
que estralam
nesses lábios vazios— Uma poesia que escrevi em 2020
O ato de repetir uma palavra até que ela soe estranha aos nosso ouvidos e pareça dissociada do que ela representa chama-se saturação semântica. Você certamente já fez isso com seu nome, até sentir que ele perde a conexão com quem você é.
Embora o estranhamento seja momentâneo, é esquisito pra caramba não se reconhecer nele. É como perder nosso senso de lugar no mundo.
Essa é a primeira etiqueta de identidade que recebemos, uma palavra carregada de expectativas, histórias familiares, tradições culturais e significados sociais.
Como deve ser estranho, então, viver nesse estado de desconexão permanente.
Tenho um tio que nasceu Robson, largou a faculdade, morou numa vila hippie na Bahia, ganhou uma passagem num sorteio, foi viver em Goa, foi batizado por um Guru, passou a exigir ser chamado de Aseem e virou artista na Austrália.
Embora o rebatismo seja apenas social e ele ainda se chame Robson no papel, vejo essa escolha como sua forma de rejeitar uma narrativa imposta e redefinir-se em seus próprios termos. “Eu não me identifico de outra forma, Robson é um nome que não diz nada para mim”.
Assim como foi para ele, o ato de se renomear pode ter impacto significativo em várias trajetórias pessoais, como na transição de gênero, na adoção de uma nova identidade cultural, ou no rompimento com um passado traumático. Da mesma forma, quem se recusa a chamar o nomeado por seu nome de eleção tenta, de forma autoritária, impor a essa pessoa uma noção externa de quem ela é.
É por isso que todos, culturas e indivíduos, temos o direito de definir a nós mesmos, de contar nossa própria história e de escolher como nos apresentaremos ao mundo.
O direito de ter um nome para chamar de seu.
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Um nome leva toda uma história e um nome. Gostei do post e da reflexão.
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Até mais, Emerson Garcia
Olá Emerson, fico feliz que tenha gostado do post! Muito obrigada!