Todos os anos, no meu aniversário, eu tinha uma difícil decisão a tomar. Era um acordo comum na minha família que, ou se comemorava com uma festa, ou com um presente a nossa escolha. As festas eram sempre no salão do prédio da minha avó paterna e decoradas com meus personagens favoritos. Os brigadeiros, as lembrancinhas, os amigos da escola e a quantidade de convidados que chegavam, cada um com seus embrulhos, me faziam acreditar que, quase sempre, essa era a escolha mais inteligente.
No primeiro ano depois que eu aprendi a ler, no entanto, eu escolhi o presente. O motivo que me fez trocar todos os pacotes que eu ganharia na festa por um único foi uma coleção de livros infantis que eu vi na TV. Chamava-se Conte Outra Vez e era composta por 12 volumes, cada um com duas histórias lindamente ilustradas. Cada livro vinha acompanhado de uma fita cassete com a narração dos contos. Os volumes chegavam por correio, um por mês, o que significava que levaria um ano até que meu presente estivesse completo. Lembro-me até hoje da música de abertura:
“Era uma vez, outra história assim vai começar
E todos vocês, neste mundo encantado vão sonhar
É só escutar com atenção e viajar na asa da imaginação
Que a alegria vai tomar seu coração…”
Essa coleção foi minha porta de entrada pra o mundo das histórias e da leitura. E dentre tantas narrativas incríveis, uma em especial marcou minha infância. Acho que foi a primeira vez que eu me apaixonei por um livro.
O Soldadinho de Chumbo, de Hans Christian Andersen, é um conto sobre um brinquedo defeituoso. Um artesão que cria um exército de soldadinhos de chumbo fica sem material para terminar o último da fila, que acabou apenas com metade de uma das pernas. Por algum motivo, ele se afeiçoou ao brinquedo e resolveu colocá-lo na caixa assim mesmo. Quem não gostou muito da ideia foi o garoto que recebeu o exército de presente. Chateado com aquele soldado inútil, ele acaba deixando-o para a irmã, que achou uma ótima ideia ter um soldado para proteger seus brinquedos.
No quarto da menina, o soldadinho se apaixona por uma bailarina de papel que, assim como ele, só tinha uma perna visível. O romance dos dois acaba enfurecendo o monstro da caixa, que dá um susto no soldado, jogando-o pela janela. O soldadinho acaba dentro de um rio, engolido por um peixe que, por coincidência, é comprado pela mãe do dono original.
Todo sujo e arranhado, ele é mais uma vez desprezado pelo menino. A irmã novamente resgata o brinquedo e o coloca junto da bailarina, mas o monstro da caixa não os deixaria em paz. Ele dá outro susto nos brinquedos que voam em direção à lareira acessa. No outro dia, ao limpar o local, a mãe encontra apenas um pedra de cristal e um coração de chumbo.
É difícil explicar as razões pelas quais esse conto se tornou meu preferido. É claro que, aos sete anos, eu não conseguia articular as maneiras como a história do soldadinho me tocou. Mas hoje, olhando para trás, acho que eu sentia uma empatia tremenda pelo personagem. Era quase como se eu conseguisse sentir toda a dor pelas rejeições que ele sofreu. Embora feito de chumbo, o soldadinho talvez fosse também o personagem mais humano de toda aquela coleção, imperfeito e inseguro.
Mas acho que minha parte favorita era mesmo o final. Longe de ser o encerramento feliz que se espera dos contos de fadas, a mensagem ali me tocou de alguma forma: não importam os problemas que a gente passe ou os obstáculos que atravesse. Tudo o que temos, no fim das contas, é nossa essência.
Esse texto foi um exercício proposto pelo curso The Future of Storytelling, disponibilizado pela plataforma iversity. O objetivo era que a gente identificasse os elementos e mecanismos que nos fascinam nas narrativas.
Segue a proposta:
1) Reconte a primeira história pela qual você se sentiu fascinado..
2) Pense sobre o que te encantou mais sobre essa história. De quais partes você se lembra melhor? Os personagens? Os cenários? O enredo? O estilo ou voz narrativa? Ou talvez tenha sido o momento em que você entrou em contato com ela: foi contada pelos seus pais ou avós? Foi o primeiro livro que você leu? Qual a história por trás dessa história?
E você, qual a primeira história pela qual você se apaixonou?
Eu te ajudo a cair na estrada também!Nos links abaixo há alguns serviços que eu utilizo e que me ajudam muito em minhas viagens. |
Algumas memórias empalidecem com o tempo e são poucas as lembranças que tenho vívidas de…
Tenho viajado o mundo como nômade digital há 12 anos. Melhor do que ninguém, sei…
Todos já sentimos o amor, mas poucos compreendemos o que ele significa. Na filosofia, na…
Foi tudo muito rápido. Eu havia acabado de enviar uma mensagem para um amigo e…
Você já sentiu uma vontade imensa de fazer algo que realmente tenha um impacto positivo…
Já virou mania: todos os dias, no caminho para o meu curso de espanhol, eu…
This website uses cookies.