Não sei explicar porque eu viajo. A gente vê, curte e compartilha esse monte de frase motivacional com design do Canva e imagens de gente pegando trens, ou fazendo trilhas, mochila vintage de lado e um caderno com capa de couro na mão e tenta encontrar um sentido pras nossas próprias escolhas. Mas se algum dia você tiver a oportunidade de me perguntar diante do púlpito sagrado da mesa do bar o motivo pelo qual eu faço isso há tantos anos, eu provavelmente vou responder apenas que “eu gosto”, e pronto.
Não viajo “pra vida não fugir de mim”, nem com a ideia elitista de que é para “ler todas as páginas de um suposto livro que a maior parte da população mundial só tem acesso a uma”, quem sabe duas, ao longo da vida inteira. Tampouco porque eu realmente acredite que “as viagens são a única coisa que a gente compra que nos deixam mais ricos” (e meu cartão de crédito que o diga!).
No texto que inaugurou minha newsletter e que uso como um manifesto, eu escrevi sobre minhas ideias sobre vida e movimento. Nele, conto que acredito que movimento é parte da natureza humana, afirmação com a qual ainda concordo. Mas talvez, e hoje vejo isso, eu não estivesse falando exatamente desse tipo de movimento.
Viajar já foi um grande sonho. Ao mesmo tempo, também era algo que considerei, durante as duas primeiras décadas da minha vida, inacessível. Hoje, é só como as coisas são para mim, uma consequência da forma como os dias foram se desenrolando e as coisas acontecendo, me colocando nesse caminho e não em outro qualquer, mais óbvio, mais estável, mais previsível.
Pegar um avião é um ato corriqueiro, e eu já não mais fico noites sem dormir em antecipação. É meu trabalho, meu estilo de vida e, ainda, como se tudo isso não ocupasse espaço demais em todos os diferentes âmbitos da minha existência, foi aquilo que, num primeiro momento, me conectou com meu namorado.
Com tudo isso, sobra pouco espaço para explorar outro interesses. A vida adulta vai consumindo a gente e talvez seja normal. E eu viajo para pagar meus boletos que são gerados com as viagens que por sua vez são a forma como eu ganho dinheiro para pagar os boletos que são gerados pelas viagens… um ciclo viciosos que nem me permite questionar se tudo isso ainda faz realmente sentido, se é que algum dia fez.
Então, como boa adulta que sou, eu só vou. Assim como ninguém fica questionando demais o trabalho no escritório porque, se o faz, corre o risco de largar tudo pro alto e ir vender coco na praia. Eu amo viajar (quem não gosta?), e gosto o suficiente de criar conteúdo sobre isso para não querer surtar todos os dias. É isso. Pra uma garota-de-classe-média-beeem-média-mesmo que sempre teve sonhos delirantes e zero vocação pra galgar degraus corporativos, é bom o bastante. É a vida que eu quis pra mim, com todos as renúncias e recompensas que nossas escolhas podem nos trazer.
Algumas vezes, as coisas ficam difíceis. Parece que os dias engolem a gente e que nenhuma das nossas decisões fazem mais sentido. Mas aí eu chego em um novo lugar, vem aquela euforia de querer conhecer tudo, descobrir tudo, mergulhar num mundo novo. São em momento assim que eu me lembro de porque eu comecei com essa loucura toda.
Mas, sim, é claro que cansa. Cansa como muitos já cansaram e pararam. E me cansa a ponto de muitas vezes pensar em parar também, assim como alguém fica de saco cheio de ficar preso no trânsito de São Paulo e sonha com o dia em que vai se mudar de vez para o meio do mato e começar um projeto de permacultura.
Como qualquer pessoa proveniente da classe trabalhadora que valoriza minimamente seu trabalho, eu me permito períodos para descansar dessa rotina e começar outra vez, pegando a estrada, planejando os conteúdos, escrevendo, gravando, editando, criando novos projetos para arrumar mais coisas pra fazer na minha já abarrotada lista de tarefas, porque a sensação de depender desse ambiente extremamente ansiogênico que é a internet é que seu eu parar pra respirar ela me engole.
E eu digo isso porque trabalho com conteúdo há tempo suficiente para entender que sou nada mais que o Uber da internet, o trabalhador precarizado que “pelo menos consegue fazer seu próprio horário e trabalhar de onde quiser”, o famoso CEO de MEI (ainda que meu CNPJ seja SIMPLES rs), que não tem nem um benefício ou responsabilidade por parte daqueles que nos permitem gentilmente utilizar suas plataformas bilionárias para ganhar a vida.
Na semana que vem, o 360meridianos faz 13 anos. Passei grande parte desse tempo sem conseguir separar direito quem era eu e o que era o blog. Foi um processo ter que ressignificar minha identidade quando, em março de 2020, eu vi esse projeto de uma década desmoronar do dia para a noite por motivos que estavam muito além do meu controle.
Essa foi a primeira vez que eu tive que encarar de perto a possibilidade do blog acabar e, naquele momento, eu simplesmente não sabia quem eu era sem ele. Espero que isso não aconteça tão cedo, porém hoje já consigo que entender que haveria, sim, vida pós-360 no fim das contas.
Foi também quando percebi que um projeto, qualquer que seja ele, é só um projeto, e que eu sou muito maior que qualquer trampo. Mas ao contrário do que seria intuitivo e talvez até saudável, o que eu fiz a partir dessa descoberta foi me afundar mais ainda em trabalho.
Criei essa newsletter e vários outros espaços que fossem meus na internet, porque eu queria ser mais a Natália e menos o 360, mas o que eu fiz foi apenas torcer um pouco o argumento para chegar ao ponto de onde saí: que continuo me definindo demais pelo que eu faço e pelo tanto que produzo.
Foi essa falta de contato com minha essência fora de uma lógica produtivista que fez com que, meu último dia em Bruxelas, eu entrasse numa loja da Tiger e saísse de lá com um kit completo de desenho porque eu tinha chegado à conclusão de que precisava muito mesmo de um hobbie que eu não tivesse que transformar em conteúdo. Até hoje, preenchi só duas páginas desse caderno, mas sigo tentando.
Mês que vem, sou eu quem muda de idade. Dias depois, volto ao Brasil, vou ao casamento de uma das minhas melhores amigas, rever minha família, ir ao carnaval, talvez passar um tempo no Rio ou Olinda. Também tenho planos de um dia lançar um podcast, aprender outra língua, dar outra volta ao mundo. Enfim, continuar sendo quem sou, mas também descobrindo o que sou, expandindo meus limites, me desafiando, crescendo.
No fim das contas, a gente volta naquilo que eu disse lá atrás: vida é movimento. Ela muda, se adapta, às vezes desacelera, mas nunca para. E eu? Continuo indo. Enquanto houver caminho, eu vou estar no meio dele.
Eu te ajudo a cair na estrada também!Nos links abaixo há alguns serviços que eu utilizo e que me ajudam muito em minhas viagens. |