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Crônicas

Naxos: Uma casinha branca, uma ilha grega

Reflexões sobre o tempo que morei em Naxos

Morar em uma casinha branca, numa ilha grega, foi uma dessas surpresas agradáveis que a estrada me impôs. Há uma certa aura em alguns lugares que os tornam mais cobiçados que outros, e os dias em Naxos foram os mais fotogênicos do meu ano.

Consegui um bom lugar para ficar dentro do orçamento, o que nem sempre acontece; com piscina, o que é ainda mais raro; serviço de quarto diário, algo fora da minha realidade. A dois quarteirões da praia, inimaginável. Sempre que eu postava o Mediterrâneo no fundo e uma Aperol Spritz ao lado do computador, me sentia a própria personagem de uma fotografia do Shutterstock para o termo de busca “nômade digital”.

Então era isso? Eu estava mesmo ali, vivendo a versão cenográfica de um estilo de vida extravagante e pouco acessível?

Durante muito tempo, rejeitei o rótulo de nômade digital por ter deixado de me identificar com a comunidade, que soa mais interessada que eu em empreendedorismo, life hacks, cripto e eventos de networking. Mas, se a gente pegar ao pé da letra, não é isso que eu sou?

Outro dia, voltando de uma road trip pelas montanhas da Geórgia, Jeff me disse que desde que ele começou a viajar, nunca mais pensou em outra coisa. Eu ri e concordei, porque temos trajetórias parecidas, ainda que nossos caminhos tenham demorado tanto tempo para se cruzar.

Atravessamos fronteiras pela primeira vez quase ao mesmo tempo, em 2010. Eu, para trabalhar como voluntária em um hospital na Cidade do Cabo. Ele, para participar de festivais de música eletrônica na Europa. Por um tempo, trabalhamos, cada um do seu lado, para pagar a próxima viagem. Largamos empregos, consumimos economias suadas em diárias de hotéis baratos, com a mochila nas costas e o bilhete para o próximo destino nas mãos. Morei por seis meses em um país do qual pouco sabia, do outro lado do mundo. Ele morou por quatro em uma kombi na Patagônia. Voltamos, cada um para sua casa, com o objetivo de ganhar mais dinheiro e ir embora outra vez. E outra. Até que o trabalho remoto nos fez não precisar parar mais. Nos conhecemos muito depois disso, e a liberdade geográfica possibilitou que começássemos a cruzar fronteiras juntos.

Desde aquela vez, na África do Sul, em que ajudei uma senhorinha brasileira a responder o oficial da imigração com meu inglês quebrado, há 12 anos, eu nunca fiquei mais que um ano em um lugar. Exceto quando, por causa da pandemia, precisei adiar os planos de cobrir por terra a distância entre dois desertos.

“Você é nômade antes de ser modinha”, ele brincou. Mas a verdade é que sou nômade antes de saber que isso existia, pois uma vez que me botei em movimento, não consegui mais parar. Sou movida por uma extrema curiosidade de ver o que há logo ali, de pisar o mundo inteiro com meus pés. E foi por esse desejo que renunciei à estabilidade de um endereço fixo antes de agregar o termo digital, só para deixar claro que levo comigo um notebook e sou dependente de conexão de internet aonde quer que eu vá. Pelo menos os anos fizeram com que a disponibilidade de redes wifi deixasse de ser um problema.

Mas a verdade verdadeira é que sou nômade por acidente e necessidade, porque foi o meio que eu encontrei de não ter que parar de viajar. Trabalhar da estrada não é, para mim, uma vantagem em si, mas o ônus inevitável de uma escolha.

Nessa escolha moram renúncias difíceis de arcar. Já perdi aniversários da afilhada, casamentos de amigas, o velório do meu avô. Abri mão de conforto, dos benefícios de uma carteira assinada, de ter qualquer objeto que não entre na minha mochila de 50 L. Deixei para trás amigos, renunciei a relacionamentos, abri mão de projetos que não cabiam na minha vida móvel. Convivo diariamente com a pressão de tomar decisões básicas o tempo inteiro: onde morar, o que comer e para onde ir quando o tempo do visto acabar e, señor! como isso gera trabalho mental!

Viagens não curam, não libertam, não transformam ninguém sozinhas. Tudo isso pode até acontecer, mas sempre como parte de um processo e nem de longe são a única alternativa ou aquela que funciona para todo mundo. O que minhas fotos de casinhas brancas numa ilha grega deixam de mostrar é que quase tive um burnout a poucas semanas e tenho encontrado dificuldade em riscar da lista as tarefas mais simples. Igualzinho muita gente por aí que optou por caminhos mais convencionais.

Quem vê close não vê corre, não é o que dizem?
O Centro Histórico de Naxos é tudo que a gente espera de uma ilha grega

É claro que ganhei muito também, como costuma acontecer com qualquer escolha. Aprendi a falar bem duas línguas estrangeiras, tenho contatos espalhados pelo mundo, mais de 40 carimbos no passaporte, experiências contadas aos quilômetros. Estive no alto dos Himalaias e no fundo do Mediterrâneo, dormi sob as estrelas no Deserto de Thar, pisei em cinco continentes. Contei tudo isso em um blog e vi muita gente gostar de ler o que eu escrevia. No fim das contas, minha balança continua pendendo pro movimento, porque já estive dos dois lados dessa linha e sei que é a estrada que me faz mais feliz.

Eu te ajudo a cair na estrada também!

Nos links abaixo há alguns serviços que eu utilizo e que me ajudam muito em minhas viagens.

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Natália Becattini

Sou jornalista, escritora e nômade digital. Atuo como Publisher Independente desde 2010 e sou especialista em Escrita Criativa, Estratégia de Conteúdo Digital e Jornalismo de Viagem. Sou co-criadora do renomado blog de viagens 360meridianos, LinkedIn Top Voice 2024, e autora da newsletter Migraciones. Nas redes sociais, atendo sempre pela arroba @natybecattini.

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