É um mistério o que te faz gostar ou não de um lugar. Ainda não cheguei na equação correta da minhas paixões andarilhas, mas desconfio de algo: gosto da cultura, de um pouco de história, da comida e da boemia. Mas, principalmente, gosto de ver a vida das pessoas acontecer perto de mim. Saí de Budapeste em meados de julho, decepcionada. “Essa cidade é um playground”, falei, enquanto olhava melancólica o movimento dos bares ruínas.
Não foi preciso muito tempo para que eu me encantasse por Tbilisi, por outro lado. Distante e ainda não muito conhecida, a capital da Geórgia compensa em vida e vibe o que lhe falta em pontos turísticos tradicionais.
Tbilisi é cheia de velharias. Isso está claro não apenas nas construções caindo aos pedaços, mas nos inúmeros mercados de pulgas armados diariamente nas praças e esquinas da cidade, nos quais é possível comprar de tudo, de xícaras de porcelana vintage a medalhas com o rosto de velhotes de nome russo. É a capital de uma ex-república soviética estacionada em diversos momentos do passado, tentando desesperadamente romper as barreiras que ainda a ligam a ele: fugir pelas sombras para longe da zona de influência russa, tornar-se cada vez mais e definitivamente europeia.
Geográfica e culturalmente, é uma cidade ambígua, presa entre dois hemisférios e entre seu próprio passado e futuro. As varandas de madeira da Velha Tbilisi se empoleiram umas sobre as outras e sobre as ruas, emoldurando com padrões geométricos as janelas coloridas e a vida de gente comum que talvez viva ali por décadas.
Criados em tempos de abertura política e econômica, a juventude local não abre mão de transformar sua capital em uma cidade cosmopolita, moderna, vibrante. E talvez a maior representação disso seja a Bassiani. Construída em parte do subsolo do maior estádio de futebol da cidade, o Dinamo Arena, a casa noturna é considerada mítica entre os amantes do techno, comparável até mesmo à Berghain, em Berlim.
Lá dentro, a permissividade é europeia. Grupos de amigos dançam com suas garrafinhas de água sempre à mão, pessoas semi nuas se penduram no poles, casais do mesmo sexo demonstram afeto em público.
Mas quando saí, já na manhã avançada do sábado, as senhorinhas com vestidos tradicionais que montavam suas barracas no mercado público ao lado protestaram quando Jeff tirou a camisa debaixo do sol de 40°. Uma daquelas gafes culturais inescapáveis, mas também um choque pelo embate de dois mundos coexistindo assim, tão próximos.
Em 2018, centenas de policiais armados invadiram a Bassiani e outras casas noturnas amigáveis à população LGBTQI durante uma suposta operação contra as drogas. Sete pessoas foram detidas, incluindo os fundadores da casa, ainda que nada ilegal tivesse sido encontrado com eles.
Horas mais tarde, milhares de pessoas se reuniram em frente ao Parlamento em manifestação contra a ação, que rapidamente se transformou em uma rave de protesto. Mas a mobilização das forças especiais da polícia em busca de usuários de ecstasy em baladas gay é parte de uma guerra cultural, mais que contra o tráfico. De acordo com esse documentário da BBC, esse é o último suspiro e o último pretexto que as forças conservadoras locais encontraram para resistir à modernização de Tbilisi. Um caminho sem volta em uma cidade que se orgulha de ser quem é e avança, sem se esquecer das origens.
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