Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha pra aquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Eu nunca fui do Sao Joao
Eu gostaria de começar esse texto de outra forma, mas, sendo sudestina, eu jamais cheguei a desenvolver essa relação especial com o mês de junho. O dia de São João foi, durante a única parte da minha vida em que ele existiu de fato, “festa junina”: uma desculpa para faltar as aulas de matemática e ensaiar quadrilha. Uma oportunidade de tentar formar um par com o menino que eu gostava. Um dia inteiro para passar com meus amigos dentro da escola, sem aulas, usando uma fantasia talvez um pouco ridícula para a alegria de nossos pais.
Outro dia, uma amiga de Campina Grande falou no Instagram que morria de medo da filha dançar “Festa de Rodeio” no São João e eu ri porque foi exatamente a música que eu dancei na sétima série, numa coreografia só de meninas, todas vestidas com calça jeans, bota, camisa branca e chapéu. O agro pop.
Não me levem a mal. Eu gosto de canjica, de caldo de mandioca e de festa, seja ela qual for. Gosto de andar por entre as barraquinhas, de bandeirolas coloridas, de bolo de milho, quentão e de pé de moleque. E gosto, particularmente, de manifestações culturais. Mas, em BH, a “festa junina” era só a tentativa de imitação desbotada de uma tradição que a gente herdou dos europeus sem, na verdade, se apropriar; organizada apenas em escolas de ensino fundamental, igrejas e associações de bairro. Caricata e deslocada em uma cidade que talvez seja nova demais e tenha se tornado urbana demais em tão pouco tempo. Tanto que no fla x flu das festas, eu sempre fui do carnaval, e sempre me senti mais autêntica saindo por aí de glitter e semi-nua que de trança e vestido de chita.
Por duas vezes, passei o São João na Europa e ali entendi de onde tiramos a tradição. Em Portugal, perambulei pelas ruelas minúsculas da Alfama, todas elas enfeitadas, e comi sardinha assada na churrasqueira no quintal da casa de uma senhorinha. Na Espanha, me embebedei com amigos em uma praia repleta de fogueiras e entendi que, ali, essa é a festa do maior dia do ano, que foi do velho continente que saiu o pau-de-sebo e que pessoas reais literalmente “pulam a fogueira iaiá”. Assisti tudo aquilo com os olhos de quem vê uma tradição estrangeira.
Tudo mudou quando eu passei o Sao Joao na Bahia
Eu gosto de me lembrar dessa história como o último São João antes do fim do mundo, porque ele me remete àquele outro planeta no qual vivíamos antes e foi, realmente, o último São João possível até agora. E acho que tem algo de especial nisso.
Mas foi por coincidência que eu acabei em Lençóis, na Chapada Diamantina, no dia 24 de junho de 2019. Comprei a passagem numa promoção e sou tão desavisada que só me dei conta quando descobri o motivo pelo qual quase todos os hotéis estavam lotados.
Aprendi a dançar forró do dia pra noite e dancei até amanhecer. Dancei com todo mundo. Mais de uma vez. Vi uma quadrilha de verdade entrar na praça, aos sons de “Fora, Bolsonaro!” (eu te amo, Bahia), andei por ruas de pedra cantando Alceu Valença e tomei pinga com limão e mel porque o tiozinho que fazia a pinga E o mel me disse que era tradição ali e eu tinha que eu tomar. E eu amei tanto que repeti a mistura e olha que eu detesto pinga.
Mas o que mais me marcou foi ver a festa que durante anos eu emulei na escola tomar forma na minha frente pela primeira vez: viva, autêntica. O mais contagiante do São João é a paixão que as pessoas que são do São João sentem por ele. Nada é mais contagiante que ver gente vivendo seus afetos.
Eu fui embora de Lençóis querendo ficar e não acho que é por coincidência que eu tomei ranço de Morro de São Paulo, destino que me tirou dali por motivos de planos de viagem não reembolsáveis. Passei todo o trajeto até Salvador (e os meses que se seguiram) acompanhada da playlist temática que eu mesma montei, tentando cristalizar tudo aquilo que eu tinha vivido em melodias que eu ouvia no repeat porque a parte de mim que é inimiga do fim não queria que aquilo acabasse. Igualzinho eu me sinto, todos os anos, no carnaval. Ainda hoje é impossível escutar uma daquelas músicas sem querer me transportar imediatamente para o momento em que eu estava no meio da Chapada Diamantina, no dia de São João, dançando Espumas ao Vento com um desconhecido.
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