A primeira noite insone da qual eu me recordo foi aos 11 anos. Passei a madrugada inteira agitada por causa de uma excursão da escola no dia seguinte e não dormi com medo de perder a hora.
Depois dessa, vieram outras. Inúmeras. Dormir nunca foi meu forte. “É só fechar os olhos”, já me disseram tantas vezes. Mas minha mente não se cala. É uma tagarela. E, sem estímulos para mudar o foco, é à noite que ela vaga sem rédeas.
Essa semana, fui a uma palestra do neurocientista Sidarta Ribeiro no Museu do Amanhã, aqui no Rio. O evento era parte do programa Conversa com o Curador, e fazia parte da exposição Sonhos: História , Ciência e Utopia, em cartaz até o fim de maio.
“O que eu conheço da insônia é esse pensamento monotemático, obsessivo. Uma treta besta vira A treta. Um boleto vira O boleto”, disse Sidarta. A cabeça gira em torno de problemas muitas vezes sem solução, enquanto o corpo implora para dormir.

O autor argumenta que nossa inabilidade de calar nossos pensamentos é também o que nos impede de meditar. O diálogo interno — que não raro se transforma em um grande embate entre as vozes da nossa cabeça — se instala e toma conta da casa inteira. O ego consciente insiste em resolver tudo na marra, só pra deixar bem claro que é ele quem manda. Essa gritaria interna, no entanto, limita nossa capacidade e encontrar respostas onde a gente menos olha: no sonho.
Ao mergulhar em nosso inconsciente, os nós se desatam. O sonho não precisa fazer sentido pra fazer efeito. Ele não responde com lógica, mas com imagem e metáfora. Responde como quem sabe que o sentido do mundo fica abaixo das camadas de consciência.
Num tempo em que tudo é produtividade e necessidade de controle, abrir espaço pro sonho (e não só o sonho da noite, mas o da esperança, da utopia, do impossível) é resistência. É dar ao inconsciente o direito de fala e dizer pro ego: “desce do palco um pouquinho”.
Estudioso do fenômeno dos sonhos, Sidarta convida a revisitar o papel deles na história da humanidade. Ele explica que os sonhos sempre foram ferramentas de aprendizado e adaptação, permitindo que nossos ancestrais simulassem situações e tomassem decisões cruciais para a sobrevivência. O universo onírico é um espaço no qual reconfiguramos memórias e emoções, preparando-nos para o futuro.
“A principal função dessas simulações seria testar comportamentos inovadores específicos contra uma réplica de memória do mundo, em vez do próprio mundo real, levando ao aprendizado sem risco”, afirma ele em seu livro O Oráculo da Noite.
Se chegamos vivos até esse futuro de ficção científica, é porque nossos antepassados utilizaram os sonhos — e também a imaginação — para aprender e tomar decisões. Somos, portanto, descendentes de sonhadores, mas estamos perdendo a capacidade de sonhar, pois, para isso, é preciso dois privilégios escassos nos dias de hoje: uma boa noite de sono e um cadim de esperança.
Terceirizamos o sonho para o entretenimento. Dormimos pouco, sonhamos menos e, quando sonhamos acordados, é com utopias formatadas em “7 passos para ter uma vida melhor”.
Sonhar radicalmente é preciso. Mas, para isso, é necessário uma disponibilidade que vai na contramão do relógio. Exige descanso e desconexão. Exige tempo.
É revoltante pensar que algo que já foi tão natural para o ser humano é hoje tão profundamente subversivo. Que ideia absurda essa de dar ao corpo o direito de não produzir e aceitar não entender tudo imediatamente, não é mesmo?
Sonhos e utopias são territórios do possível que ainda não se realizou. Ambos partem do que está latente, mas que já pulsa como desejo.
Sonhar não é fuga. É travessia. É o oposto da alienação. E, num mundo tão carente de alternativas, manter viva a capacidade de imaginar futuros — mesmo que enquanto dormimos — é, no mínimo, um ato de cuidado. É um ato de sobrevivência.
Sidarta Ribeiro é autor do livro Oráculo da Noite, no qual investiga a ciência dos sonhos conectando neurociência, antropologia e história. O autor argumenta que sonhar é uma função essencial para o aprendizado, a criatividade e até a sobrevivência da nossa espécie. Compre o livro aqui.
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