A ideia de que As Veias Abertas da América Latina deveria ser leitura obrigatória no Ensino Médio não me abandonou nem por um momento durante o tempo em que mergulhei na obra mais famosa do escritor uruguaio Eduardo Galeano. A cada página, me surpreendia com o pouco que sabemos sobre a história desse canto tão judiado do mundo. A nossa história.
Mas não é de se espantar que em um planeta euro-cêntrico a versão oficial dos fatos esteja sempre voltada para o Atlântico Norte. Passamos boa parte das nossas vidas escolares aprendendo sobre a Revolução Gloriosa e sobre dinastias Inglesas e Francesas, até que nos resta pouco tempo para tentarmos entender a nós mesmos.
Pouco tempo para que possamos encontrar respostas satisfatórias para perguntas como “Por que as coisas são como são?” ou “Quais as raízes do subdesenvolvimento?” ou “A América Latina poderia ser um lugar diferente se tudo tivesse ocorrido de outra forma? Estávamos fadados à miséria e à instabilidade política desde o princípio? O que podemos fazer agora para que as coisas melhorem?”.
Foi atrás dessas respostas, tão escondidas em outros livros de história e economia, que Galeano mergulhou no passado latino-americano desde a época pré-colonial. O resultado de sua pesquisa foi publicado em 1971, no auge dos regimes ditatoriais do continente. Na época, acabou proibido em diversos países, mas isso não impediu seu sucesso. Muitos anos se passaram desde então e quem põe as mãos nesse livro hoje em dia precisa levar em conta o contexto no qual foi escrito: alguns dados, cifras e mesmo projeções para o futuro já estão obviamente defasados, mas o que assusta mais é como tantos outros permanecem atuais.
A linha que Galeano escolheu para contar essa história foi a da exploração. Ele começa com as ruínas das sociedades pré-colombianas com a chegada dos conquistadores, passa pela exploração de ouro, açúcar e outros metais, como a prata, nos tempos coloniais, e chega ao século 20 com o domínio dos interesses econômicos de grandes multinacionais.
Ele ainda defende a tese – também muito popular nas nossas aulas de história – de que foi a exploração da América Latina que possibilitou o desenvolvimento da Europa e dos Estados Unidos. Por isso, os lugares que brindaram as maiores riquezas são os que hoje vivem as maiores misérias.
Há algum tempo, eu assisti a uma palestra de Boaventura do Santos na Universidade de Coimbra. Nela, o sociólogo afirmava que todas as conquistas da América Latina são instáveis. Que, em certos momentos históricos, acreditamos que alcançamos um novo patamar no progresso e no desenvolvimento, mas que essa ilusão é facilmente desfeita e as conquistas desaparecem no ar.
Lembrei-me disso enquanto lia As Veias Abertas. Galeano acredita que qualquer esforço na direção do desenvolvimento da região é imediatamente contido, pois interfere em interesses internacionais. “O subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento. É a sua consequência”, afirma. É fundamental para o sistema que o preço da mão de obra na Bolívia seja muitas vezes inferior ao da Alemanha sem que isso tenha nada a ver com produtividade no trabalho, pois é isso que determina os preços baixos das matérias primas ou bens de consumo produzidos pelo terceiro mundo.
Veias Abertas é uma leitura amarga, não vou mentir. E é amarga porque tem gosto de impotência. É aquele tipo de livro que faz você desejar ter super poderes capazes de mudar a história, de fazer com que as coisas sejam diferentes, e ao mesmo tempo nos lembra o tempo inteiro da sua própria insignificância. Ainda assim, é leitura obrigatória. Afinal, como disse o autor, “a primeira condição para modificar a realidade consiste em conhecê-la”.
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Fotos: Shutterstock
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