1.
Durante os breves seis meses em que eu vivi em Berlim, enfrentei o que talvez tenha sido o meu segundo pior episódio de saúde mental. Eu cheguei ali em maio de 2018 e queria desesperadamente encontrar um motivo para ficar.
Eu havia acabado de terminar um longo mochilão pela América Latina, no qual eu tentava tocar dois projetos enormes e inconciliáveis no trabalho. Ao mesmo tempo, me enfiava em longos e tortuosos trajetos de ônibus, me hospedava em dormitórios de hostel, tentava me virar com a conexão instável de restaurantes hippies perdidos em vilas caribenhas e trocava de cidade a cada três ou quatro dias.
Depois de jurar que nunca mais iria viajar com pressa e trabalhar ao mesmo tempo (um erro básico do nomadismo digital que eu de fato nunca mais cometi), eu passei a sonhar cada vez mais com um pouquinho de estabilidade.
A ideia de ter um apartamento decorado, algumas plantas e um gato crescia dentro de mim e, por algum momento, Berlim parecia o lugar perfeito. Passei as tardes daquele verão tomando cerveja nos spätis com amigos que eu acabara de conhecer, fazendo churrasco nos parques, visitando lagos e trabalhando de escritórios de coworking descolados.
Um dia, publiquei um story em vídeo contando da cidade. Uma notificação pisca na minha tela minutos depois: “Estou viajando pelo Leste Europeu e tinha pensado em dar um pulo em Berlim”. “Se você vier, vamos tomar uma cerveja”, eu respondi.
Não ouvi mais dele por algum tempo.
2.
Nos meses seguintes, comecei uma busca desesperada por um apartamento fixo, mas a missão se mostrou impossível. Depois que um dos meus roommates, um alemão com problemas com drogas, passou a se comportar de forma agressiva, arrumei minhas coisas e saí de casa de fininho, deixando para trás os 450 euros que eu tinha dado de caução.
Pelas semanas seguintes, minha casa foi um colchão na sala de uma amiga.
Nessa época, o clima em Berlim já começava a esfriar, e meu humor piorou muito junto com os termômetros. A falta de luz, mais que o frio, me jogava lá pra baixo, e a isso se somava o clima político das eleições no Brasil – que eu acompanhava de longe, com angústia – a minha situação de moradia, a frustração de que nada saia conforme eu planejava.
Em uma conversa na cozinha da casa da Luíza, a amiga que me acolheu, tentei elaborar sem sucesso todos esses problemas. “Por que as pessoas ficam nos lugares, Naty? É por causa dos vínculos. Qual o seu vínculo com Berlim?”
3.
Poucos dias depois, tive uma sessão de terapia a distância com minha antiga psicóloga. Maria disse várias coisas sobre as quais estava certa. A principal era que a minha angústia era sobre ausência de conexão e de objetivo, mas também que era legítima minha busca por um lar. Talvez eu só estivesse olhando no lugar errado.
“Todos nós precisamos de um lugar para voltar”, ela disse.
Com meu colchão encostado no aquecedor da sala, eu maratonei temporadas e temporadas de série sem me levantar da cama. Um dia, dormi até mais tarde e perdi as poucas horas de luz. Quatro meses haviam se passado e eu não tinha motivos para ficar ali. Abri o computador e comprei uma passagem para o Brasil.
4.
Um ano depois, eu estava pronta para partir outra vez. Comprei uma passagem só de ida para o Atacama e tinha uma vaga ideia de chegar até os Estados Unidos, dessa vez viajando com calma. De lá, quem sabe, conhecer o Havaí antes de cruzar o oceano rumo a Ásia.
Minha viagem, marcada para algumas semanas depois do Carnaval de 2020, foi cancelada quando o mundo parou. Trancada em casa, soterrada com as notícias, tendo que lidar com o fato de que tanto meu estilo de vida quanto a empresa que eu havia construído na última década desabaram em questão de horas, eu comecei a enfrentar crises de ansiedade e pânico que eu nunca havia vivido antes.
Um dia, vi que aquele garoto que me mandou uma mensagem quando eu estava em Berlim tinha alugado uma casa para passar a pandemia na praia. Dessa vez, fui eu quem escrevi: “Quanto custa um Airbnb aí?”.
Não cheguei a me mudar para Imbituba, mas depois dessa conversa, Jeff e eu passamos a nos falar quase todos os dias.
5.
– Tô num churrasco na casa de uns hippies, meio bêbado. Meu telefone caiu na água e eu saí pra comprar gelo.
– Oi? kkkk
– Acho que ferrei minha câmera…
– Como assim?
– Sei lá, meu telefone caiu, deixei todo mundo lá na casa e saí pra comprar gelo. E me deu vontade de falar com você.
6.
Na mesma semana em que eu comecei a sonhar com uma casinha a beira-mar em Santa Catarina, os casos de Covid-19 no estado dispararam e a praia de Imbituba ficou fechada até mesmo para banho. O jeito foi, então, expandir minha busca para outras regiões do Brasil.
Não sei bem porque o nome Itacaré pipocou na minha mente. Eu já havia estado ali em outras duas ocasiões – em uma viagem em família aos 13 e durante um mochilão pelo nordeste, quando ainda estava na faculdade – e pouco me lembrava da cidade. A decisão, no entanto, parecia ter nascido pronta: a vila pequena contava poucos casos da doenças, as praias estavam abertas, o comércio funcionava, mas com toque de recolher, o preço dos aluguéis cabia no meu bolso e o aeroporto de Ilhéus tinha vôos diretos saindo de Belo Horizonte. E, mais importante que tudo isso, era minha chance de ir morar na Bahia.
Durante meu primeiro mês ali, minha rotina era trabalhar e dar voltas solitárias na praia. A cidade estava vazia e não tinha muito o que fazer, de qualquer forma. Conforme o verão se aproximava, no entanto, a atmosfera se transformou de forma tão drástica que ninguém parecia se lembrar que havia uma pandemia em curso.
Fiz amigos, vários deles, e nos víamos quase todos os dias em rolês que começavam nas barracas da praia da Concha e terminavam muitas horas mais tarde no bar Favela. Num desses dias, comentei com uma amiga que me acompanhava em um show de reggae: “Sabe aquele boy que eu te falei? Ele tá vindo. Chega na semana que vem”.
7.
Depois que os casos dispararam em Imbituba, Jeff foi passar umas semanas no Rio de Janeiro. De lá, pegou um ônibus noturno para São Paulo, de onde sairia seu vôo para Ilhéus. 1.722,50 km percorridos depois, nos encontramos em frente ao Airbnb para finalmente tomar aquela cerveja prometida lá atrás.
A primeira cerveja levou a outras, e às 4h da manhã estávamos sentados no meio fio assistindo a um hippie chamado Luz rolar no chão na nossa frente.
Não me lembro se nos beijamos antes ou depois disso. E uma semana viraram 10 dias, que viraram uma promessa de nos encontrarmos novamente em outro cando da Bahia. E eu já perdi as contas de quantos quilômetros percorremos juntos desde então.
8.
Maria, minha psicóloga, me disse:
“Pode ser que, pra você, ‘ter pra onde voltar’ não seja bem um lugar. Pode ser que seja um alguém.”
9.
Essa história teve um final feliz. Sim, eu peguei Covid em Itacaré, o que teria sido o único revés possível dessa situação toda, mas por sorte foi um quadro leve e não precisei sequer ir ao médico.
Mas, para o bem ou para o mal, a vida de um nômade digital traz voltas inesperadas. Um dia, você pode estar se apaixonando em uma praia na Bahia. No outro, tratando uma mordida de cachorro na Costa Rica (aconteceu comigo). Por isso, precisamos estar preparados para os imprevistos.
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O amor pode chegar quando e onde a gente menos espera. Adorei o seu relato e que esse romance possa durar por muitos e muitos anos.
Boa semana!
O JOVEM JORNALISTA está em HIATUS DE VERÃO do dia 03 de fevereiro à 06 de março, mas comentarei nos blogs amigos nesse período. O JJ, portanto, está cheio de posts legais e interessantes. Não deixe de conferir!
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Até mais, Emerson Garcia