Doze tipos diferentes de grãos cozidos em uma sopa espessa. Cada grão representa um apóstolo. A fanesca, um dos pratos mais característicos da gastronomia equatoriana, tem forte conotação religiosa e está sempre presente na mesa das famílias do país durante a quaresma e a Semana Santa.
“O peixe representa Jesus”, explica o dono do restaurante no centro de Quito, quando lhe perguntei sobre a simbologia por trás da sopa.
Além da mistura de grãos, que incluem dois tipos de milho, favas, variedades de feijão, ervilha e tarwi, entre outros, a fanesca também inclui ovos cozidos, legumes como a abóbora, leite, queijo ralado, amendoim, banana da terra e empanadinhas fritas de farinha.
A carne pode variar entre bacalhau e outros peixes, preparação mais comum, mas também há receitas com camarões, frango e carne seca. Um verdadeiro banquete em forma de sopa.
Assim como o cristianismo, a simbologia por trás da fanesca chegou com os espanhóis. Há registros, no entanto, de que a sopa com diversos grãos já era consumida pelas populações originárias do Equador desde o século 12, como uma forma de agradecer pela boa colheita durante o Pawkar Raymi, uma festa colorida celebrada até hoje pelos indígenas da região de Imbabura, no norte do país.
Por isso, o prato é considerado um importantíssimo patrimônio alimentar nacional e o que há de mais autêntico em termos de gastronomia equatoriana.
Com a colonização, os outros ingredientes trazidos pelos europeus foram incorporados, como o queijo, o leite e o bacalhau, assim como a técnica de preparação.
Até mesmo os árabes tiveram influência no prato, já que a preparação das pequenas bolinhas de farinha frita foi uma herança da ocupação moura na Espanha. O caldo espesso e cremoso que forma a sopa ganha um novo sabor a cada colherada, a depender dos ingredientes pescados cada vez.
Há quem afirme que, assim como os povos antigos celebravam a fartura da colheita, ainda hoje a fanesca é um tributo à riqueza do solo equatoriano.
A preparação da fanesca foi documentada pela primeira vez no livro El manual de la cocina (1850-1860), do arquiteto Juan Pablo Sanz. Apesar disso, não se reconhece uma receita padrão. Os ingredientes exatos variam em cada região do país, de acordo com a disponibilidade e os costumes gastronômicos entre as populações da costa e da serra.
Mas mais que um ritual religioso, o prato é um elemento da identidade do povo do Equador, que todos os anos se reúne com seus familiares para preparar e comer a fanesca. E, assim como é comum nos pratos tradicionais, cada família tem o seu toque especial, transmitido de geração para geração, desses que fazem cada equatoriano afirmar que não existe fanesca como a que prepara sua avó.
Esse texto foi originalmente publicado no 360meridianos em 2018. Para receber mais textos como esse, inscreva-se na minha newsletter pelo formulário abaixo.
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