Um professor de fotografia me disse uma vez que não dava para ser um bom fotógrafo sem ter uma vida interessante. Demorou para que eu entendesse que para isso não era preciso passar os dias entre a savana africana e o Himalaia, fotografando para a National Geographic, mas que nem toda a técnica do mundo poderia nos salvar da ausência de um olhar autêntico sobre o cotidiano. A interessância mora dentro.
Em arte, seja ela feita de luz, tinta ou palavras, é preciso saber ver. Dá para ver o extraordinário até mesmo dentro do ônibus lotado que pegamos todos os dias para casa. E, como meu trabalho de jornalista de viagens me mostra todos os dias, também dá para ter uma quantidade infinita de milhas voadas e ainda assim não ter nada a dizer. Porque a única coisa que importa, no fim das contas, é a forma como a gente traduz nossas experiências nessa curta existência em algo único, bonito, algo que só a gente poderia dizer.
Outro dia, enquanto escrevia um guia sobre Cartagena das Índias para o 360meridianos, me deparei com uma entrevista de Gabriel García Márquez sobre como a colorida cidade colombiana influenciou seu trabalho. “Todos os meus livros tem algum cabo solto com relação a alguma história que eu vi ou vivi em Cartagena”, disse ele.
Gabo viveu ali por apenas um ano, mas usou esse tempo para colecionar memórias que, mais tarde, ele transformaria em contos e romances. Ele costumava passar as tardes em um bairro na época considerado marginal da cidade, conversando com pescadores e com imigrantes que chegavam de todas as partes do país.
Esses encontros lhe deram material para criar seus personagens e, em outros casos, premissas. Como quando ele presenciou a descoberta da múmia de uma menina no subsolo de um velho convento, trabalhando de repórter para um jornal local, e encontrou ali a semente de Do Amor e Outros Demônios.
Quando eu penso nas coisas que eu mais gostei de escrever, todas elas voltam a alguma memória afetiva: de pessoas, encontros, rupturas, epifanias no chuveiro, recomeços.
Sem esse pequeno inventário de memórias cotidianas, não dá para colocar nada no papel. Isso me fez pensar que escrever, mesmo a ficção mais absurda, é fazer uma autobiografia disfarçada. E saber absorver essa realidade e transformá-la em algo bonito dentro da gente é a parte mais especial do processo.
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